1 de dezembro de 2015

Um de Dezembro, o Dia da Restauração.


    Ligo a televisão num canal noticioso. Assisto a uma breve menção, e em rodapé, quanto à data que hoje se comemora, ainda que não mais seja um feriado oficial; suprimido, com outros, nas medidas  de contenção implementadas pelo anterior executivo. A identidade europeia, a sua construção, não é complacente com a exaltação de qualquer valor histórico, nacional. O último golpe surgiu com a supressão do feriado, data simbólica, que o recém-empossado Governo pretende repor, e bem.

    Escusar-me-ei a considerações históricas pormenorizadas. Encontrá-las-ão no meu artigo alusivo de há um ano, nomeadamente. Por respeito aos homens que lutaram para que hoje existíssemos como Nação independente, não poderia deixar passar em branco o dia que tantos insistem em olvidar. Assistimos por esse mundo fora a movimentos secessionistas, a guerras pelas independências, tão conotadas actualmente com o terrorismo. Junta-se na mesma lista organizações terroristas e grupos que lutam, embora não o façam pela via legítima, diplomática, pela autodeterminação dos seus povos. Também nós estaríamos nessa posição ingrata, sob suspeita das inteligências de dezenas de Estados, se a conjura de 1 de Dezembro de 1640 tivesse sido sufocada; se aquele grupo de homens não irrompesse pelo palácio real, prendendo a representante de Filipe III, Margarida de Sabóia, a duquesa de Mântua, fazendo cair o seu poder, e o do seu primo, no Terreiro do Paço.

     Portugal é o Estado europeu com as fronteiras, definidas em tratado, mais antigas. Conseguiu a custo, por séculos, escapar à lógica histórica, geográfica, cultural e linguística a que pertence, Espanha, aqui não enquanto Estado espanhol, numa apropriação indecorosa de um término comum a todos os peninsulares, mas como a herdeira da Hispania romana e visigótica. Por várias vezes El-Rei D. João III fez referência a esse costume castelhano que acabou por se impor. Afinal, a Espanha está quase unificada, mal ou bem, com maior ou menor resistência. O que tantos, por cá e por lá, tentaram e não conseguiram. Esse foi o anseio e o propósito de muitos dos monarcas portugueses, castelhanos e aragoneses. Se somos nós que escapamos à irresistível união, provavelmente não seria justo continuar a lutar em defesa de uma identidade à qual de sempre nos esquivámos.

     Talvez a nossa pouca memória faça parte de um plano meticulosamente engendrado, talvez seja um sinal dos tempos, da globalização, da perda sistemática de valores. Porventura, o acontecimento em si não merecerá mais do que uma nota de rodapé num noticiário das onze da manhã, e o errado sou eu em persistir (ou insistir...) numa batalha perdida. Que os restauradores, esses, por vinte e oito anos de guerra subsequente com Espanha, não perderam uma sequer. E tão pouco reconhecimento têm.

22 comentários:

  1. Já falei isto mas repito. Gosto muito de ler suas contextualizações históricas.

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    1. Obrigado, caro amigo.

      Esta até nem é muito histórica. Pretende mais consciencializar. Não quis repetir-me. E o artigo histórico está sempre disponível. :)

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  2. Um bem-haja, Mark. Com todas as diferenças que temos. Não esperava outra atitude sua. Um dia que governo nenhum conseguirá apagar. Uma medida que tomaram em benefício do país, mas que discordei desde que tomei conhecimento. É preciso voltar a repor os feriados que se retiraram, os religiosos e os civis.
    Olvidar... curioso utilizar essa forma verbal, tão espanhola... Muito adequada.

    Cumprimentos!

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    1. Receio que não tenham tomado essa medida em benefício do país, mas sim em benefício do cumprimento de uma ideologia de austeridade. "Outros quinhentos".

      Mas sim, mais do que legítimo reporem os feriados.

      "Olvidar" existe na língua portuguesa, embora seja um arcaísmo. Assim como "mui" ("muy", em castelhano).

      Cumprimentos.

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  3. Viva o primeiro de Dezembro. Obrigado pela recordação da data quando muitos se esquecem e outros nem sabem o seu significado. Um abraço de um leitor atento mas que pouco comenta. P.

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    1. És o P.? O P. que há algum tempo passava por cá?

      um abraço, e obrigado.

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    2. Nota-se pelo modo como escrevo? :)) Sou o P. sim. O P. que acha que tu escreves divinalmente (não sou só eu que acho isso) e que te admira muito. Um abraço apertado amigo Mark.

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    3. Não foi por aí; recordo-me da assinatura, "P.", e, evidentemente, da tua presença. :)

      um abraço afectuoso, e obrigado.

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  4. Um dia que deveria ser sempre Feriado Nacional pela simbologia e história deste país :)

    Grande abraço amigo

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  5. Peço desculpa por irromper neste seu espaço, que sigo regularmente, mas nunca comentei.
    No entanto, hoje, não queria deixar de me juntar a este seu apelo, e nisto não tem nada de chauvinismo em mim, pois não me considero como tal, mas simplesmente salientar que tenho a consciência de que somos fruto da nossa história enquanto intervenientes nela igualmente.
    Agradeço-lhe este seu texto, aliás, todos os outros também, pois concordo com muitas das suas posições
    Uma boa semana
    Manel

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    1. Olá, Manel.

      Eu é que tenho a agradecer o seu simpático comentário. Espero continuar a ser merecedor da sua atenção e da sua preferência. Apareça sempre que queira.

      Uma boa semana para si também. :)

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  6. Não sei ser futurista... mas quero crer que é mais provável a desintegração da Espanha do que a sua "reunificação" com Portugal. E lembrar este feriado sempre! Obrigado por não deixares cair em esquecimento o facto.

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    1. Sim, sem dúvida. Nós somos demasiado orgulhosos e ciosos da nossa independência. Até Franco o sabia, quando rejeitou liminarmente invadir Portugal com a NATO, em 1975 (devido ao perigo de uma deriva à esquerda), ciente de que isso provocaria uma união nacional tendo em vista a defesa do país face ao inimigo externo.

      Mais do que lembrar o feriado, que surgiu muuuito depois do facto em si, é necessário não esquecer o que se comemora.

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  7. Ontem não vi em lado nenhum uma referência sequer ao Dia da Restauração da Independência, não tendo visto noticiários na tv, li os jornais online.

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    1. Lamentável. O que vem reforçar o que disse. Bom, eu tive "mais sorte", que ainda li uma menção em rodapé.

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  8. "Para comemorar a independência é preciso restaurá-la primeiro!" (do facebook :P)

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  9. Não se pode perder a (boa) memória! De resto, até a má memória deve ser preservada, no seu sentido pedagógico de não voltar a acontecer, quanto mais a boa...

    Mas os tempos são de espuma e artificialidade...

    Hugs

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  10. Estava a ler o teu post e pensei no quanto uma pessoa "cresce" nas palavras. É o teu caso.

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